O quarto dia do primeiro mês do ano de dois mil e dezesseis

•4 de janeiro de 2016 • Deixe um comentário

Eu quero escrever um poema irresistível

Um poema pra você não ir embora

Um poema pra todas as vezes que cogitar,

decidir ficar pra me ouvir recitar de novo

E eu recito.

Duvida?

Até virar música

Faço harmonia, bateria, toco gaita e bato palmas,

se precisar das palmas.

Mas só se for pra você não resistir

e ficar

Está decidido:

Eu vou escrever o poema irresistível.

16 de Janeiro de 2016.

•25 de agosto de 2015 • Deixe um comentário

[..]

Esqueci de te contar da última vez que nos vimos: eu fui lá visitar ele. Era um calor insuportável naquela cidade, e eu já entendi que nunca vou me acostumar com isso.

Você se lembra da última vez que estivemos lá? Ele falou da vida toda como se fosse um domingo sem fim. E era mesmo.

Não adianta.  A gente sempre soube que ele nunca ia caber nas caixas que o mundo empacota a gente. Até que eu me espremi bem, me adaptei, estou aqui dentro. Mas ele não. Pra entrar ele teve que mutilar tudo que não podia ser dobrado, tudo o que não encaixava.

Eu me lembro de ficar preso na contradição de quando ele falava do mundo como um lugar infinito e minúsculo. Quase acreditei, mas parei de questionar a vida antes de me convencer disso.

Agora ele anda por aí, esperando chegar amanhã, pra ver se dá tempo de fazer tudo que tem que fazer. Nunca dá. Aí ele joga pra outro dia, e assim a agenda dele tá sempre cheia de nenhuma das coisas que ele gostaria de fazer. Só uma sucessiva ordem de acontecimentos entediantemente previsíveis.

Aquele ar que abre os pulmões e a alma, de quando a gente conhece um lugar novo, sabe?  Ele nunca mais respirou esse ar, mesmo que agora ele conheça todos os continentes do mapa.

Houve um único momento em que eu tive esperança de o ver voltar. Foi como quando a gente deixa, sem querer, uma fresta só da cortina aberta, e, por ali, um feixe minúsculo de luz te acorda.

Ainda não entendi o efeito das palavras em mim, mas, com toda eloquência típica de quem ele foi, disse que: tudo na natureza tende ao equilíbrio, e que somos produtos do meio. Pura química. Do meio mais concentrado, pro menos concentrado, até tudo estar equilibrado.

Faz sentido. Ele sempre foi um universo denso demais num mundo desses, vazio.

Saudades,

Rascunho

•28 de abril de 2015 • Deixe um comentário

          Eu preciso ser sincera: daquela vez, não te mandei o rascunho como havíamos combinado previamente.

          Passei a limpo, três vezes.  Não houve alteração qualquer no conteúdo, nem uma vírgula.  Pra que você lesse a versão mais bonita, a sem pressa, encharcada de verdade. O que eu queria era que fosse leve. Que cada contorno de cada letra te contassem uma breve história sobre como eu precisei parar e respirar algumas vezes, pra conseguir fazer tudo aquilo virar letra e palavra, pra caber na ponta da caneta, pra eu dobrar a folha e pôr no envelope, pra eu aguentar o peso do envelope até o correio, e, o mais importante, pra que chegasse doce nas tuas mãos.

          Lembra quando você tinha daquelas enxaquecas e eu passava meu polegar de leve nas tuas pálpebras, por só alguns segundos, e aí você dizia que tudo era mais claro quando voltava a abrir os olhos? Era pra essa carta ser assim.

          Bem, eu não sei se o trânsito conservou a essência até que ela chegasse às tuas mãos. Acho que não.

          Por esses dias andei procurando o rascunho por todo lugar. Talvez eu procurasse mesmo alguma parte de mim que se perdeu. Pode ser que tenham ido junto com a carta, o rascunho e a tal parte de mim. Não era a intenção.

•15 de julho de 2014 • Deixe um comentário

Este aqui, como os demais manuscritos que o acompanha, tinha certeiro endereço: o lixo.

Mas, no imediato instante seguinte ao arremesso, percebi que os havia dobrado de forma tão cuidadosa, com zelo, que não me pareceram mais lixo. Quis ficar com eles. Depois não quis mais e quis novamente. Por fim, tomei a decisão derradeira.

                                                                                    São teus.

                                                                                    Sou teu.

                                                                                    Nos guarde.

                                                                               

Tão Vivo Quanto se Faz Papel e Caneta

•15 de julho de 2014 • Deixe um comentário

          Graças aos romancistas não me toma a solidão a essa hora. Me sinto amparado ao ver palavras que quero dizer saindo da ponta da pena de um semelhante. Isso nos une.

          Não me ponho em patamar de clássicos, claro que não, de grandes nomes. Só fica o desejo de que pudessem saber agora que: se há bem uma razão para que meus pés toquem esse mesmo chão, essa é de fazer os demais acreditarem que de tudo só há verdade no que escreveram aos séculos que passaram e ficaram. Não há ficção.

          Dói dor concreta, não se faz metáforas nem sinestesias. É porque é, e , às vezes, nem devia ser.

          Caso ocorra de ser apenas dessas noites tais, que seja como se não fosse a primeira, mas que se conserve tal sabor. Como todas e como a última então.

          Que enlouqueças, não penses, não ponderes mais. O tempo ali será, como vais lembrar, infinito e breve. Tudo o que conseguir imaginar, será. O que tiver vontade, onde houver mistério, tudo que é novo e velho conhecido, ao mesmo tempo.

          Quero que queime, que arda, seja cicatriz, tatuagem.

          Pode até dar nome de passageiro se caso, ao fim, prevalecer tal desejo. Mas há de marcar a pele. Não vais poder ver tal marca, e ninguém verá, só vais sentir quando passar por ali outro alguém, por onde estive e fui bem-vindo, passageiro.

          Seu cabelo será véu para que guardes e seja inteiramente seu, para seu prazer, quando te lembrares. Vais lembrar e será vivo, tão vivo quanto estou agora, às duas e cinquenta e poucos de uma madrugada de terça-feira.

          Não olheis como medíocre essas declarações minhas, saibam que, sem querer, me descuidei e quando vi me deixei sentir. Ainda, como se não bastasse a pretensão, acho que posso falar do que guardo, do que sinto. Posso e escrevo.